Revendo e atualizando nossa caminhada catequética diante dos estudos recentes, seminários e romarias, revisitamos o documento n. 107 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que traz um pouco da história da iniciação cristã, e muito contribuiu para a compreensão do processo de “inspiração catecumenal”. Partindo dessa contribuição, somos impulsionados a buscar novos caminhos para caminhar com Jesus e partilhar com Ele a missão de fazer acontecer o Reino no mundo de hoje.
Esse documento nos dá uma visão de maior alcance sobre a “iniciação cristã”. Mostra-nos como estamos imergidos em uma nova realidade, na experiência do mistério de Cristo Jesus, em sua paixão, morte, ressurreição, ascensão, envio do Espírito e retorno glorioso. É um caminho que a Igreja do Brasil nos faz percorrer iluminados pela Palavra de Deus. Não é um caminho fácil, necessita de perseverança e percepção dos sinais dos tempos, pois se trata de um novo paradigma.
Os primeiros discípulos e discípulas tiveram o privilégio de aprender diretamente de Jesus como bem relacionar com as pessoas fazendo o exercício da boa acolhida, de compreensão e de valorização. Na vida diária, ao serem enviados para a missão, foram aprendendo que a salvação cristã é vida concreta de relação pessoal com Deus e com os irmãos e irmãs. É também, libertação do pecado, das injustiças e das limitações humanas. Tudo isto foi percebido quando da entrega pessoal de Jesus, da sua própria vida na cruz, na certeza de sua ressurreição, para permanecer conosco para sempre. É desse ponto que partimos: da certeza da ressurreição de Jesus, o Cristo. Em toda a sua vida até à ressurreição que está contida o quérigma. Este é o conteúdo da fé cristã.
A partir do segundo século da Era Cristã, a Igreja estruturou um processo de Iniciação de novos membros a uma nova identidade, como cristãos inseridos na comunidade eclesial, prontos a celebrar a fé e assumir a missão. O documento 107 n. 42 descreve esse processo que tinha por finalidade possibilitar, por meio de um itinerário específico de iniciação, a preparação de pessoas adultas que manifestavam o desejo de assumir a “fé da Igreja”. As pessoas faziam esse itinerário com o propósito de conversão, celebrado na recepção dos sacramentos da iniciação cristã (banho batismal, unção pós-batismal e primeira participação na ceia do Senhor.
O itinerário oferecia uma série de ensinamentos, o modo de vida a exemplo da vida do Cristo, a experiência das práticas litúrgicas e as pessoas davam testemunho de vida cristã, através da participação na vida da comunidade. A esse processo de iniciação foi dado o nome de “Catecumenato” que teve o seu auge no século IV. Seu processo de decadência iniciou a partir do século V, desaparecendo por completo no século VII, em consequência de uma nova era que se vivia na Igreja denominada de “cristandade”.
A partir do século VII, a vida cristã acontecia para aqueles que já nasciam em ambiente cristão e viviam um cristianismo herdado, transmitido como tradição familiar e social. Nesse tempo, inicia a prática do batismo de crianças desvinculado de sua relação com a crisma e a eucaristia. A fé vivida encontra sua expressão nas devoções aos santos, nas peregrinações e nas penitências. As orações decoradas ganham importância. A Bíblia era proclamada nos sermões, encenadas ao longo das procissões e festas e representada na pintura, na escultura, no teatro, nos cantos e nas narrativas populares. Era uma catequese da piedade popular.
Depois do Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja elaborou um Catecismo a ser utilizado pelos párocos, que tinha como foco o conhecimento da doutrina da fé, instrução moral, celebração dos sacramentos e orações cristãs. A partir de então muitas pessoas recebiam a transmissão da fé em um modelo mais doutrinal; outras pessoas continuaram na prática da vivência da fé por meio da piedade popular.
Olhando para nossas realidades atuais percebe-se que muitas das nossas práticas de vivência da fé cristã permanecem assim: doutrinárias e de piedade popular, embora desde a realização do Concílio do Vaticano II (1962-1965), vem acontecendo um grande esforço para atualizarmos o modo de transmissão da fé. O Concílio Vaticano II nos convida a reestruturar o processo de evangelização do nosso tempo, buscando a “Inspiração Catecumenal”, ou seja, inspirando no processo catecumenal do século IV, tempos em que as catequeses, através dos conteúdos querigmáticos e mistagógicos, ofereciam às pessoas oportunidades de fazerem experiências da vivência do mistério pascal, bem como expressar sua fé na vida de comunidade e dar testemunho de vida centrada na vida do Cristo.
Vários documentos catequéticos e diretrizes da Igreja surgem nesse período pós-conciliar. Vários sínodos foram realizados trazendo reflexões sobre vários temas: a evangelização, a catequese, a família, a Palavra de Deus, a Eucaristia, a vocação e missão dos leigos e leigas. Todas essas reflexões ajudaram as pessoas a realizarem seu próprio encontro pessoal com Jesus Cristo; constituir-se em novos e verdadeiros discípulos missionários. Desde os tempos pós-conciliares, a Igreja vem expressando, através de sua proposta de ação evangelizadora, pastoral, litúrgica e missionária de nossa Arquidiocese (regiões, foranias paróquias e comunidades de base), o desejo de uma autêntica iniciação na fé cristã, isto é, que as pessoas realmente realizem seu encontro pessoal com o Senhor, na vida em sociedade, na fraternidade cristã, na participação da liturgia e na missão eclesial.
Muitos trabalhos, congressos, seminários vêm acontecendo para nos ajudar a compreender o processo de iniciação à vida cristã e com isso, assumir as tarefas propostas que são de responsabilidades da própria comunidade.
Nos tempos atuais, com as grandes transformações no mundo e mudanças de valores, Jesus nos convida a sair, escutar, a servir, a estar atentos aos novos sinais dos tempos, abrir novos espaços para que deles a fé cristã possa emergir de um novo modo, renovada e autêntica para produzir em nós mais humanidade, melhor qualidade de vida e fraternidade.
A inspiração catecumenal é uma dinâmica, uma pedagogia, uma mística, que nos convida a entrar sempre mais no mistério do amor de Deus. Só adentraremos nesse mistério quando iniciarmos as buscas para a realização de nossas próprias experiências.
Neuza Silveira de Souza. Coordenadora do secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.