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[Artigo] O rosto feminino do Reino – Neuza Silveira,  Secretariado Arquidiocesano Bíblico-Catequético de Belo Horizonte

A Palavra de Deus, escrita na Bíblia e na vida, precisa ocupar um lugar de destaque na catequese, pois o seu conhecimento e a sua meditação ajudam as pessoas a perceber que a história de salvação continua hoje e que a presença constante de Deus na vida na sua história pessoal, tem força de libertação. Inseridos na mais antiga e rica tradição cristã, cabe-nos salientar a importância da Palavra de Deus que desperta a fé e mobiliza a conversão.

A Igreja, ao trazer para nossa reflexão os escritos da carta aos Gálatas pelo apóstolo Paulo, diz: “Todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Assim,  ajuda-nos a fazer o memorial da nossa fé em Jesus Cristo. O Apóstolo Paulo ensina que, mediante o Batismo e a fé em Jesus Cristo, nos tornamos filhos adotivos do Pai. Através do seu “evangelho”, suas cartas às igrejas, faz chegar até nós o anúncio salvífico centrado no mistério da vida de Cristo, principalmente, no mistério Pascal, mostrando que através do Batismo participamos gratuitamente da filiação divina.

Quando aceitamos o Batismo em nossa vida estamos fazendo a nossa adesão pessoal de seguir Jesus, sendo o Batismo a porta de entrada para a pertença na família de Deus. Basta deixar-nos conduzir pelo Espírito e ter a vida pautada pelo amor e pelo serviço aos outros. Assim, todos somos filhos de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, que nos redime. Nesse sentido, as distinções de raça, classe, gênero, presentes na sociedade, não podem ser reproduzidas nas comunidades, pois somos irmãos e irmãs em Cristo.

Esse é o caminho que deve ser percorrido pelo Cristo. Desde o início, a comunidade cristã caminha buscando um modo de viver com simplicidade o reino de Deus. Um Reino de Justiça e amor. E essa possibilidade de vida nos é dada bastando a nós colocarmos como critério “o amor”.  Ajudarmos aos nossos irmãos a “ser felizes” e nos alegrarmos com suas “alegrias”. A vida do cristão é assim: uma vida que deve deixar transparecer o Deus da vida, Deus, que nos mostra a sua face tanto masculina, no seu aspecto poderoso, quanto feminina, deixando transparecer a beleza e a delicadeza da mulher, a suavidade na expressão da mãe que cria e que conduz seus filhos, mas ao mesmo tempo fortes, capazes de sustentar a caminhada da comunidade que catequiza e orienta para o seguimento de Jesus.

Aprendendo com Jesus a conhecer as mulheres dos Evangelhos

Aprendemos nos evangelhos como Jesus viveu uma especial aliança e sintonia com as mulheres de seu tempo, que foram formando comunidades e, assim, inauguraram um estilo de vida onde eram bem-vindas e tinham seu lugar. Percebe-se nos evangelhos que as mulheres formam parte da assembleia do Reino convocada por Jesus, com participação ativa, pois são consideradas destinatárias privilegiadas de seu Reino. Consideradas excluídas pela cultura da época, são vistas como os últimos que serão os primeiros no Reino de Deus.

Fazendo memória desse tempo, podemos nos lembrar de mulheres que, transgredindo as normas injustas de seu tempo, foram incluídas e construíram suas histórias, verdadeiros exemplos de vida para nós: lembremos da mulher cananeia que, na sublimidade do amor pela filha e pelos seus, transgride as leis e costumes da época e se aproxima de Jesus: Primeiro ela é mulher, é viúva, é pagã e estrangeira e por isso não podia merecer a atenção de Jesus. Mas, ao tomar a iniciativa de ir até Ele, conservando a sua dignidade e humildade de mulher, sua atitude toca o coração de Jesus. Podemos dizer que ela contribui para a conversão de Jesus que reconhece que não veio só para os seus, ou seja, para as ovelhas perdidas de Israel, mas para todos. Essa mulher de origem não judaica, não desiste diante da recusa de Jesus e, trabalhando com a simbólica da mesa, na sua simplicidade e humildade, leva até Ele o conhecimento da pobreza e torna-se a protagonista na arte do convencimento. E Jesus se deixa converter por essa mulher de fé, atendendo o seu pedido. A exemplo da cananeia nós somos convidados a nos apropriarmos de uma experiência humana tão fundamental na nossa vida: Em nossos momentos de oração, devemos nos colocar em atitudes de humildade, confiança e perseverança.

Lembremos também da Samaritana, mulher que se encontrava às margens do povo santo de Israel. Aqui é Jesus quem solicita algo, pede de beber à Samaritana. Jesus se apresenta como alguém que está na condição de ter necessidade de nós! Este seu jeito de se apresentar possibilita o diálogo. O fascínio que emana da pessoa de Jesus, dos seus olhos, dos seus gestos, das suas palavras a retém e a impele a responder ao desconhecido, rompendo assim com as inimizades. No olhar de Jesus ela encontra  acolhimento infinito, cheio de misericórdia que lhe dá coragem para conversar sobre o sentido das coisas, da vida. Esse diálogo abre caminhos para Jesus revelar à mulher a verdadeira face de Deus e também a si mesmo. Essa mulher, agora revestida de Cristo, rompe com os paradigmas samaritanos e na cidade ela se torna uma anunciadora: Esse Jesus é o Messias. Assim, também nós somos convidados a esse encontro com Cristo para conhecê-lo e anunciá-lo aos outros.

Podemos também lembrar da mulher de verdadeira fé, transgressora não só da ordem social, mas da política e religião. A mulher pecadora, uma israelita, porém “irregular”, que invade um espaço não apropriado a ela e realiza uma tarefa considerada como serviço divino. A unção do corpo. Ela o faz utilizando-se de gestos que exprimem toda a sua dor e todo o seu amor. Ela o faz na presença dos discípulos e Jesus a eleva diante desses mesmos discípulos. Ele a acolhe, deixa-se tocar, porque lê no coração da mulher e em suas lágrimas as feridas da sua vida e o seu desejo de perdão. Nesta sua atitude ela passa para nós a experiência de uma oração muda de pedido de perdão. Fazer boa obra para Jesus é fazê-la para os pobres.

Outra mulher, e desta sabemos o seu nome, é Maria Madalena. Desde que foi curada, não mais saiu de perto de Jesus. Também estava com Ele ao pé da cruz. Foi ela que constatou a ausência do corpo do Senhor no sepulcro e foi avisar a Pedro e João, retornando com eles. Ela ali permanece mesmo depois que Pedro e João vão embora, e chora. Naquele momento Jesus se põe à sua presença, mas ela não o reconhece a não ser quando ele pronuncia seu nome com uma voz de ternura inaudita, acolhimento ilimitado, conhecimento transbordante de amor, que não pode vir de nenhum outro. Após um momento de diálogo e o reconhecimento do Cristo ressuscitado, agora ela se abre a uma nova fase: deverá testemunhar e anunciar aos irmãos a ressurreição de Jesus e o seu amor. Esse encontro de Maria Madalena com o Ressuscitado nos transporta para um mundo de oração que vem a ser desejo, desejo ardente do Senhor, amor apaixonado por Jesus. E assim como Maria Madalena, na oração movida pelo desejo, nos reconhecemos chamados pelo nome e desejados pelo Senhor.

São tantas as mulheres, a exemplo de Maria de Betânia,  que com o seu gesto de se colocar aos pés de Jesus para escutar sua palavra, nos convida à gratuidade de prostrar-nos diante do Senhor e contemplá-lo. Colocarmo-nos em vigília, no silêncio, aprendendo a gastar nosso tempo pelo Senhor e com o Senhor. Estar com o Senhor significa fazer-lhe Dom do nosso tempo e Maria de Betânia nos convida a doar um pouco do nosso tempo ao Senhor para estar com Ele, pois “estar com ele” nos tornaum pouco semelhante a Ele.

E Maria de Nazaré? Aquele que jamais havia se afastado de Jesus nem duvidado de seu amor, também está junto dele, ao pé da cruz e, mesmo com o coração dilacerado pela dor é capaz de dilatar-se a ponto de tornar-se capaz de acolher em sua maternidade todos os discípulos de Jesus, irmãos do seu filho, toda a sua família que tem como vínculo não o sangue e a carne, mas a fé em Cristo Senhor. E é esta a missão que, da cruz, Jesus confia a Maria: ser mãe de todos os discípulos amados, ou seja, de todos os homens e mulheres, ajudando-os a ser sempre filhos no Filho Unigênito. Assim, estando nós com Jesus, encontramos Maria, que nos levam com até a cruz para que aprendamos a oferecer a nossa vida ao Pai.

Mulheres valentes que se encontram ao pé da cruz e no túmulo vazio. Mulheres que se colocaram a caminho com Jesus desde o submundo da Galiléia, ajudando-o na construção do Reino. Mulheres que continuam a história depois da morte de Jesus. Tecla, Priscila, Lídia, e tantas outras que rompem as estruturas e continuam seus trabalhos missionários.

Assim também precisamos ser hoje. O Apóstolo Paulo, com seus ensinamentos nos convida a viver uma vida digna do Evangelho, aceitar com alegria permanecer nesta vida ajudando aos nossos irmãos a viver segundo o Evangelho.

Jesus, utilizando-se de sua pedagogia, transmite-nos seus ensinamentos. Ensina-nos o seu método: utilizar-se das realidades presentes e conhecidas de todos. Assim é o seu agir. Que todos nós possamos, diante das nossas diversas realidades, convidar todos a participar da construção do seu reinado. Somos a presença do Deus vivo que, através de nossos rostos femininos, rostos marcados pela alegria de evangelizar, caminhamos com o propósito de não deixar ninguém de fora. É a comunidade Igreja que, através do Espírito Santo, se abre na perspectiva da graça do Pai revelada em Cristo e assume com coragem a missão de anunciar ao mundo o Evangelho da liberdade do Senhor.

Neuza Silveira de Souza.
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano
Bíblico-Catequético de Belo Horizonte.

 

 



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