Santuário Arquidiocesano

Ermida da Padroeira de Minas - Basílica da Piedade

08h

15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h

Basílica Estadual das Romarias

Domingo
09h30
11h
16h30

Artigo de dom walmor

Você está em:

A Terceira vez

Ilustração: Jornal Estado de Minas

É a terceira vez que a Igreja Católica no Brasil, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), promove a Campanha da Fraternidade dedicando-se, de modo pertinente e profético, ao tema da fome: “Fraternidade e Fome”. A primeira vez foi em 1975, a segunda, em 1985. Essa recorrência na promoção missionária e evangelizadora da Campanha da Fraternidade, a partir do tema da fome, guarda elementos interpelantes à cidadania civil e à cidadania do Reino, aos discípulos e discípulas do Mestre Jesus. O Brasil voltou ao mapa da fome, apesar de ser reconhecidamente um “celeiro” do mundo. Muitos brasileiros sofrem por não ter o que comer - há um Brasil que sente fome. Trata-se de problema político e social, como também uma interpelação aos que creem em Cristo, o Salvador e Redentor: “Dai-lhe vós mesmos de comer”, disse Jesus aos seus discípulos, diante do sofrimento de uma multidão que estava faminta.

A Campanha da Fraternidade, pela terceira vez, enfrenta o flagelo da fome. Há 48 anos, quando a Igreja no Brasil convocou uma Campanha da Fraternidade sobre a fome pela primeira vez, uma multidão dos adultos de hoje, em cargos importantes na sociedade, eram crianças, ou nem tinham nascido. Tristemente, quase meio século depois, o flagelo da fome de muitos brasileiros não foi superado. Comprova-se que não bastam as indispensáveis estratégias lógicas da tecnologia e da ciência. É preciso ir além, buscando a iluminação que vem da fé, com sua lógica essencial à qualificação da humanidade. A fé é capaz de alicerçar um horizonte inspirador na sociedade brasileira. A fome é um dos mais graves flagelos que ameaçam o ser humano, humilhando a todos. Exige o alcance de soluções com rapidez, pois leva a mortes, a sequelas que serão carregadas pelo resto da vida, considerando especialmente a fragilidade das crianças, dos enfermos e dos idosos. Por isso mesmo, o Papa Francisco afirma, profeticamente, na sua mensagem dedicada à Campanha da Fraternidade 2023, que a fome é um crime - o alimento é um direito.

A Igreja Católica, servidora da humanidade, na promoção e defesa da vida, de modo obediente ao seu único Senhor e Pastor, Jesus Cristo, convoca fiéis, homens e mulheres de boa vontade, a enfrentarem a fome: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. No caminho percorrido e celebrado durante a Quaresma, a liturgia da Igreja ecoa o compromisso de conversão dos cidadãos do Reino de Deus. Essa conversão é testemunhada quando se busca efetivar uma nova organização social e política capaz de superar, urgentemente, o sofrimento de quem não tem o que comer. A fome de Deus, a ser permanentemente saciada pela proclamação e escuta da Palavra de Deus, deve fecundar o exercício cidadão de se buscar vencer a carência alimentar de muitas famílias. Assim, os cidadãos devem trabalhar na superação da fome, exigindo também do poder público um tratamento adequado para combatê-la.

A busca pela conversão não dispensa o compromisso com ações efetivas para promover o direito de todos à alimentação. Afrontar o problema da fome encontrando soluções urgentes é vivência fecunda deste tempo da Quaresma, em preparação para frutuosamente celebrar a Páscoa. Assim, não se deve apenas esperar soluções de instâncias governamentais. A sociedade, de um modo geral, deve investir em novo estilo de vida, mais solidário com o próximo e com a casa comum, na perspectiva da ecologia integral.  Essa perspectiva da corresponsabilidade leva a reconhecer que a fome não é problema somente de quem padece por não ter o que comer. Todos, compreendendo os ensinamentos de Jesus, devem buscar soluções criativas, evidentemente reconhecendo as responsabilidades de governantes e líderes da sociedade.

A gravidade do problema da fome, reiteradamente apontada pela Campanha da Fraternidade, é mal que precisa ser erradicado “pela raiz”. Isto significa investir sempre, e cada vez mais, na solidariedade, partilhando as dores do próximo, que é irmão e irmã. A Doutrina Social da Igreja Católica ensina, sublinhando ser questão de honra e fidelidade ao Evangelho de Jesus, sobre o sentido da destinação universal dos bens da Criação: deve favorecer a todos, ser garantido como direito. Essa lição da Doutrina Social da Igreja Católica permite contestar modelos econômicos excludentes e perversos, que precisam ser urgentemente substituídos, sob pena de um colapso geral - já há sinais muito evidentes de diferentes colapsos na vida da humanidade.

Neste momento, o apelo é à compreensão do desafiador flagelo da fome. Por se saber que tem gente passando fome no Brasil, “cai por terra” qualquer crítica aos propósitos da Campanha da Fraternidade 2023. Eventuais críticas à Campanha apenas escancaram o rosto dos indiferentes, distanciados da autenticidade da fé. São atitudes que apenas indicam a importância daqueles que, efetivamente, se dedicam à construção de um novo tempo, enquanto estão na peregrinação para o Reino definitivo. Importante lembrar: entrarão no Reino definitivo os que obedecem ao Senhor da vida, escutando, compassivamente, a sua interpelação: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Seja, pois, acolhida, pela terceira vez, a convocação da Campanha da Fraternidade, reconhecendo a presença de Jesus em cada pessoa que sofre com a fome, na atenta escuta de Sua Palavra – “Tive fome e me destes de comer”.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)