“Falar com o coração” é o apelo do Papa Francisco em sua mensagem dedicada ao 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais, no contexto da celebração litúrgica da Ascensão de Jesus Ressuscitado ao Céu. O apelo de “falar com o coração” é remédio precioso para o momento atual, contaminado por um amplo e destruidor lastro causado pela retórica belicista que toma conta dos corações. Uma realidade onde se consolida a lógica de narrativas perversas, a ponto de muitos buscarem vitórias a partir da destruição do outro, da desconsideração de projetos importantes para o desenvolvimento integral. O apelo do Papa Francisco é, especialmente, uma exigência para os cristãos, pois a espiritualidade cristã exige, precisamente, a conversão do coração. Sublinha, assim, importante verdade: é no coração que se define o destino da paz.
Do coração podem brotar as palavras certas para dissipar as sombras de um mundo fechado, dividido. Assim, a meta de edificar uma sociedade melhor requer o comprometimento de cada um, especialmente dos agentes da comunicação, que devem exercer o seu trabalho como missão. Compreende-se que a necessária comunicação, sem desconsiderar a sua sofisticada dimensão técnica, pede principalmente que seus agentes busquem a qualificação de seus corações. Não bastam as narrativas inteligentes, falar com o coração determina rumos. Lembra o Papa Francisco que o coração move o ser humano para ir, ver e escutar o seu semelhante, propiciando uma comunicação aberta e acolhedora. Conta também, e de modo determinante, o adequado exercício da capacidade de escutar, que requer paciência. Igualmente importante é a sabedoria para reconhecer os momentos em que se quer simplesmente impor o próprio ponto de vista a outra pessoa.
Há de se cuidar para que os próprios pontos de vista não sirvam somente para estabelecer barreiras que prejudicam as relações, impedem o diálogo e a partilha. A mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais ressalta que a escuta do outro, com o coração, é o único caminho para poder falar testemunhando a verdade no amor. Por isso, o Papa Francisco diz: não se deve ter medo de proclamar a verdade, por vezes incômoda, mas evitar, decisivamente, de o fazer sem amor, sem o coração. Ao invés disso, deve-se expressar por meio do coração, que revela, em seu palpitar, a interioridade de cada pessoa. Isso leva o ouvinte a encontrar a mesma sintonia, chegando a ponto de sentir, no próprio coração, o pulsar que vem do coração do seu semelhante, ensina a mensagem do Papa Francisco, que acrescenta: então pode ter lugar o milagre do encontro, com olhares recíprocos marcados pela compaixão – uns acolhendo a fragilidade dos outros com respeito, em vez de prevalecer a atitude de julgar, a semeadura de discórdia e divisões.
Atualmente, consideradas as facilidades oferecidas por diferentes mídias, torna-se cada vez maior o risco de precipitações: há quem busque alcançar objetivos, efetivar planos de vingança, a partir da destruição do semelhante, valendo-se da comunicação. Muitos outros alimentam o nocivo gosto por essa comunicação destrutiva, contribuindo, de certo modo, para disseminá-la. Esses comportamentos apontam para a necessidade de se buscar a conversão do próprio coração. Sem essa conversão, investe-se em uma pesada rotina de tudo fazer para impor ao mundo os próprios raciocínios e conclusões. Um caminho que conduz a lutas perversas, consequência de um coração estreitado pelas próprias mágoas. Passa-se a acreditar que somente há valor no que leva à realização dos próprios interesses – uma perspectiva individualista.
Quando propósitos pouco nobres e o sensacionalismo tornam-se alma da comunicação agravam-se muitas doenças da humanidade. Por isso, é importante retomar a lembrança oportuna do Papa Francisco, que ajuda na efetivação de uma comunicação construtiva e restauradora da paz: Jesus ensina que cada árvore é conhecida pelo seu fruto (cf. Lc 6, 44). De igual modo “o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é bom. E o homem mau, do mau tesouro, tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração” (cf. Lc 6, 45). Para comunicar testemunhando a verdade no amor, é preciso purificar o próprio coração, resume o Papa. Somente ouvindo e falando com o coração puro é que se pode ver para além das aparências, superar rumores confusos que não ajudam nos necessários processos de discernimento exigidos pela complexidade do mundo contemporâneo. O apelo para se falar com o coração interpela radicalmente este tempo, tão propenso à indiferença e à indignação, muitas vezes provocadas pela desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade.
A mensagem do Santo Padre traz outra preciosa indicação quando lembra que neste tempo, de tantas polarizações e oposições, a busca por uma comunicação “de coração e braços abertos” não deve envolver exclusivamente os agentes da informação. Cada pessoa deve também assumir essa responsabilidade. Todos são chamados a procurar a verdade e a dizê-la, mas com amor. De modo particular, os cristãos são exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl 34, 14), pois com ela – como ensina a Escritura – pode-se bendizer o Senhor e amaldiçoar os homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3, 9). Vale refletir sobre o que diz o apóstolo Paulo: da boca não deveriam sair palavras más, “mas apenas a que for boa, que edifique, sempre que necessário, para que seja uma graça para aqueles que a escutam” (Ef 4, 29). Guarde-se o compromisso do falar amável, capaz de abrir uma brecha até nos corações mais endurecidos. Falar com o coração é o caminho para uma grande revolução humanitária, desenhando novos e esperançosos horizontes para o mundo.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte