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Artigo de dom walmor

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Folias e Sofrimentos

Alegrias e sofrimentos fazem parte da existência humana, apontando para a importância de se buscar o equilíbrio das emoções, a ética em cada gesto e a adequada compreensão sobre o dom da vida. Ilusoriamente há quem busque experiências extremas revestidas de efêmera sensação de alegria, mas com riscos de pesados sofrimentos. A sociedade contemporânea estimula a busca pela intensidade, e não pelo equilíbrio. Consequentemente, perde-se resiliência, capacidade humana essencial ao se considerar que a vida é constituída de dois polos: alegrias e sofrimentos. O anseio pela intensidade alimenta extremismos, gera a incompetência para se silenciar e conseguir ouvir o essencial. Prevalecem o barulho e a algazarra que distanciam o ser humano do encontro com uma verdade que, para ser alcançada, pede atenção à interioridade.

A busca pela alegria nas extravagâncias é ainda tentativa de fugir da realidade que, inevitavelmente, tem sofrimentos. Esse medo de lidar com a dor alimenta a indiferença, inclusive em relação ao semelhante. Alimenta ainda a inabilidade para lidar com o próprio sofrimento, constituindo contexto favorável à disseminação do desencanto. Importante sublinhar que experimentar alegrias é um direito inalienável. Esse direito, porém, não consegue evitar, radicalmente, as dores que são inerentes à condição humana. A humanidade caminha em um horizonte de alegrias e de sofrimentos. Por isso mesmo, a reação ao sofrimento não pode se restringir ao medo, ao desencanto ou à depressão. É preciso buscar, na própria interioridade, uma força com propriedades de redenção, capaz de dar novo sentido ao viver. Pode-se inclusive, conforme assevera a espiritualidade cristã, encontrar alegria no sofrimento: a partir da oferta de si pelo bem do semelhante ou da conquista de uma grandeza moral e espiritual alcançada com o adequado tratamento do próprio sofrimento.

Sem perder jamais a consciência de que o sofrimento acompanha o ser humano, indistintamente, torna-se necessário compreender o papel das alegrias. Elas são força para o caminho de cada um, nascidas e cultivadas quando a vida é vivida como dom de Deus, sem perder a força singular de cada oportunidade para experiências exitosas e construtivas. Buscar a alegria não significa fugir do sofrimento, promovendo uma alienação da realidade. A dor faz parte da existência terrena de cada um e está presente na transcendência do ser humano. Por isso, ainda que convivendo com o sofrimento, o ser humano deve alegrar-se muito e sempre. Precisa ainda revestir de um qualificado substrato as alegrias vividas, a partir de um caminho espiritual adequado, conforme ricamente propõe a espiritualidade cristã. Isto significa que é preciso cuidado para não se buscar a alegria em horizontes que simplesmente levarão, mais adiante, ao aumento do peso de inevitáveis sofrimentos.

Importa, pois, a habilidade para fazer contracenar a configuração da folia com aquela que é própria do deserto. Um exercício que permite à interioridade ir mais longe e, ao mesmo tempo, aprofundar o autoconhecimento, libertando-se de exageros e alienações, de bebedeiras desastrosas, de atitudes que ameaçam integridades físicas e patrimoniais. O tempero da alegria duradoura que é força para enfrentar sofrimentos com resiliência é a sabedoria divina. Ao invés do culto de tudo que ilude – falsos deuses – é preciso buscar o rumo certo, traçado pela inteligência suprema, pelo amor infinito, pois saber alegrar-se é fundamento para saber sofrer. Exige, de cada um, a habilidade para deixar a graça de Deus habitar o próprio coração, evitando descaminhos e superstições, superando ódios e descompassos que se tornam porta escancarada para sofrimentos evitáveis.

Importa amar a si mesmo para além das balizas do egoísmo que destila perversidades em roubos, atentados à inteireza física, abusos e violências que precipitam alegrias no abismo de sofrimentos. Conta encontrar em si a motivação para cultivar amor respeitoso e reverente em relação ao semelhante, irmão e irmã. Parâmetro determinante é a visão lúcida e inegociável que permite reconhecer, em cada pessoa, a imagem de Cristo, fecundando o sentido nobre de solidariedade fraterna. Sem fantasias, a interioridade de cada um há de revelar a imagem de Cristo, expressando a misericórdia que alimenta e alicerça o respeito mútuo, a bondade e a sabedoria para se partilhar alegrias e solidariedade.

Para conseguir perdurar na alegria e ter força no enfrentamento de toda dor é preciso guardar os mandamentos de Deus e observá-los na vida, com um modo de viver solidário. Tenha-se presente que a vida é uma dança de ritmos diferentes - ao mesmo tempo lugar de alegrias e de sofrimentos. A vida está em trânsito, mas jamais está fora do olhar de Deus. A folia não pode ser circunstância para se afastar de Deus, exigindo atenção a cada atitude, para que os dias sejam de mais alegrias que sofrimentos. E nas alegrias, lembrar-se solidariamente dos que sofrem, sem deixar o coração endurecer-se pela indiferença. Nos sofrimentos, cultivar a certeza de que a dor não é para sempre, mas um caminho para renascer a partir da esperança – cada estação da vida é dom de Deus. Sem medo dos sofrimentos, firmados no propósito da solidariedade e incondicional respeito ao semelhante, é possível navegar no mar profundo de alegrias que vêm de fonte inesgotável: o amor de Deus.

 

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo 
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte