Cuidar da unidade interior é investimento existencial muito relevante, com forte incidência no exercício da cidadania. A unidade interior é, pois, a base de sustentação de cada cidadão, que precisa agir com seriedade e autenticidade, longe de manipulações ou dizeres interesseiros. Apesar de sua importância, a unidade interior não tem recebido o devido cuidado, pois as atenções, muitas vezes, são exclusivamente dedicadas às questões profissionais e técnicas do mundo contemporâneo. Mas é preciso lembrar: o ser humano não é máquina, nem personagem conduzido por inteligência artificial. O exercício das muitas responsabilidades no campo profissional, em diferentes tarefas, pede a iluminação da unidade interior, fruto de uma fecunda vida espiritual. Importante é reconhecer que a fragilidade experimentada pela falta de cultivo da unidade interior faz o ser humano pagar alto preço.
Pode parecer estranho e extrínseco falar da importância da espiritualidade quando se reconhece que o mundo pede um constante aprofundamento na formação técnica e profissional. Muitos investem na própria qualificação pensando no dinheiro, nos bens e nos cargos que podem conquistar. Acabam por desconsiderar que a conquista de um sentido que garanta alegria duradoura à vida depende de uma robusta vida espiritual. Pode-se chegar a essa constatação observando diferentes cenários da atualidade, em que muitas pessoas, mesmo tecnicamente capacitadas, não conseguem bem exercer seus papéis. Não são poucos os que deixam de reconhecer o sentido da própria existência e desistem do maior dom de Deus dedicado a cada um: a vida. Por isso, investir nos caminhos da espiritualidade é uma urgência deste tempo, tão marcado por diferentes formas de desentendimento.
A crise existencial que se abate sobre o mundo revela a fragilidade interior da humanidade. Essa fragilidade leva a guerras, alimenta o ódio e adoecimentos. Torna-se cada vez mais comum encontrar gente de sólida trajetória profissional e técnica que padece com estreitamentos afetivo-emocionais inexplicáveis. O mundo necessita de mais pessoas amadurecidas na condição humano-existencial, capazes de ser arquitetas da paz. Não basta, por exemplo, a lucidez política, que é indispensável. Essa lucidez precisa vir acompanhada de adequada estatura humano-existencial. Alcançar essa estatura pede disposição para trilhar o caminho da espiritualidade, pela força da experiência do transcendente. A experiência do transcendente influencia todas as dinâmicas da vida, dando a ela uma significação maior e mais completa. Forma agentes capazes de promover uma autêntica transformação no mundo, alicerçada em um humanismo integral.
O caminho mais fecundo para vivenciar uma espiritualidade que sustenta e orienta o ser humano é a oração. Vale lembrar aquela passagem do Evangelho quando os discípulos de Jesus pediram ao Mestre: “Ensina-nos a orar”. E Ele ensinou, não como simples formalidade. O Mestre orientou os discípulos a cultivarem mais proximidade com Deus, o Pai, para fecundar o sentido do viver humano, alcançar mais vigor espiritual e, assim, se fortalecer para enfrentar os desafios de cada dia. Há, pois, de se vencer constrangimentos e cultivar a convicção de que se deve orar sem cessar, conforme indicam sábias referências da fé cristã e outros líderes de diferentes tradições religiosas. A oração é remédio para recuperar a unidade interior fragilizada, pelos muitos embates, desgastes e contradições. Orar sempre: eis a prática e o caminho.
Crises existenciais são superadas com a vivência da espiritualidade, a partir da oração. Neste mundo articulado por lógicas distantes da espiritualidade, muitos podem hesitar diante do convite para uma vida de mais oração. Mas recusar esse convite significa privar-se de um caminho salutar, que cura descompassos e leva à sabedoria exclusiva àqueles que oram. É oportuno alertar: muitos podem pensar que já valorizam suficientemente a oração, e dizer que já oram muito, quando, na verdade, oram pouco ou quase nada. Sem a espiritualidade, vivida a partir do exercício da oração, a interioridade se contamina por fraquezas. Para reagir, é preciso tomar consciência das fragilidades que dominam a própria unidade interior
Importante é tomar consciência sobre o tecido rasgado da própria unidade interior fragilizada, trazendo incômodos e desconfortos impostos pelos limites humanos. Essa consciência abre caminho para uma busca essencial, bem indicada nesta oração de Santo Anselmo: “Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós. Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais, nem encontrar-vos se não vos mostrais. Que desejando eu vos procure, procurando vos deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame”. O resultado dessa permanente e revigorante busca será o consequente fortalecimento espiritual, imprescindível para recuperar a unidade interior de todos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Ilustração: Jornal Estado de Minas