O preconceito, em suas diferentes formas de manifestação, conduz historicamente a sociedade brasileira a lamentáveis atrasos, que podem gerar ainda mais preconceitos. Um ciclo perverso com consequências especialmente graves para o grande contingente de excluídos. Os meios de comunicação dedicam serviço relevante ao denunciar o preconceito, convocando diferentes segmentos do País a contribuir para mudar a realidade acentuadamente desigual. Além disso, crescem as providências legislativas e as mobilizações cidadãs para enfrentar as discriminações. Mas ainda se está muito distante de cenários aceitáveis. Prevalecem atitudes que perpetuam exclusões na organização sociopolítica. Dentre as consequências dessas exclusões está a multiplicação dos pobres, com significativa parcela da população encarcerada na fome, para que pequenos grupos possam usufruir de privilégios. Há muito o que fazer: investir nas articulações sistêmicas, com o envolvimento de diferentes instituições sociais, para superar essa situação preocupante. Igualmente urgente: deve-se cuidar para construir uma base insubstituível de formação moral e cultural, capaz de refinar sentimentos e promover uma adequada compreensão humanística a respeito do semelhante. Assim, pode-se tocar no coração de cada pessoa, em um amplo processo educativo.
Enquanto se aplica a legislação no combate aos preconceitos e discriminações é muito importante investir na dimensão moral da sociedade. A moral cristã é capaz de oferecer fundamentos essenciais: na maestria pedagógica de Jesus, referência especial ao famoso Sermão da Montanha, narrado pelo evangelista Mateus, está uma interpelante indicação do Mestre - não cometer homicídio, nem ofender o semelhante. A orientação de Jesus é jamais faltar com a caridade, nunca negociar o devido respeito à dignidade de toda pessoa. Mas, por fragilidade emocional, pela soberba de apegar-se aos próprios juízos, o ser humano relativiza a lição de Jesus. Com isso, esquece-se do que diz a Palavra de Deus: “Quem cometer homicídio, será réu no julgamento” e “aquele que tratar seu irmão com ira, será réu no julgamento”.
A justiça não pode ser comprometida e, por isso mesmo, deve-se revestir o coração com uma espiritualidade qualificante, capaz de ajudar o ser humano a saber tratar o seu semelhante. O horizonte cristão com seus princípios morais e educativos é luminoso, pois contribui para debelar atitudes preconceituosas. Esse horizonte traz um conjunto de indicações que, se devidamente acolhidas, podem recompor sentimentos na contramão de perversidades. Dentre as indicações, oportuno é retomar o que diz o apóstolo Paulo, na sua Carta aos Romanos: “Não te deixes vencer pelo mal, vences antes o mal com o bem”. Trata-se de um princípio clássico para vencer atitudes discriminatórias. A orientação do Apóstolo abre um fecundo itinerário para enfrentar preconceitos, pois convoca o ser humano a sensibilizar-se diante do sofrimento do próximo, especialmente dos pobres e vulneráveis. Assim, ao invés de excluir, de discriminar, prioriza-se o bem do semelhante, daqueles que são pobres e historicamente carregam o peso da discriminação.
Os princípios cristãos têm força incidente para romper com o círculo vicioso que aprisiona a sociedade em uma convivência ilusória e perversa, com dinâmicas que excluem muitas pessoas. Esse círculo pode ser vencido ao se investir no amor fraterno, antídoto para preconceitos de todo tipo. A lógica do amor cristão não pode ser relativizada, mas assumida radicalmente, em uma experiência espiritual que confere à mente humana a capacidade para estabelecer relações pautadas no respeito, no reconhecimento e na reverência a cada pessoa. Assim, a espiritualidade cristã cumpre um papel profético, capaz de levar a mudanças urgentes na sociedade. São, pois, importantes e urgentes as providências legislativas para coibir discriminações, o trabalho educativo e permanente de instituições que buscam vencer preconceitos. Especialmente indispensável é a assimilação dos princípios morais cristãos, capazes de inspirar a constituição de novo tecido sociopolítico no Brasil, permitindo ao país livrar-se de preconceitos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Ilustração: Jornal Estado de Minas