Santuário Arquidiocesano

Ermida da Padroeira de Minas - Basílica da Piedade

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Basílica Estadual das Romarias

Domingo
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Artigo de dom walmor

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O Filho de Deus crucificado, dirigindo-se ao Pai, a quem obedece amorosa e incondicionalmente, rompe, em um brado, o silêncio dos corações enternecidos pela contemplação de seus sofrimentos. Homem das dores, chagado, ensanguentado, vítima da violência cega que algozes lhe impuseram. O grito de Jesus cala a algazarra dos curiosos e dos perversos que acompanhavam os desdobramentos de sua condenação. É grito de dor e de amor, escancarando as portas do coração de Deus pela súplica do Redentor: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem!” Os sofrimentos de Jesus, a sua crucificação, revelam o seu amor e a sua compaixão dedicados à humanidade. Pela cruz, o desígnio do Pai, com a anuência amorosa do Filho Amado, vem a salvação para os que creem em Cristo.

Sob o olhar dos místicos, a cruz é a nova arca que carrega os seres humanos de todas as origens, em referência simbólica à arca de Noé, na travessia do dilúvio que impõe ao mundo os horrores da morte. A cruz possibilita essa passagem para a paz eterna. O sacrifício de Cristo, assim, é garantia de resgate e de redenção. Oportunidade concedida pelo Redentor a todos os que nele creem. Conta o olhar voltado ao mistério de sua paixão e morte, momento singular desta Sexta-feira Santa, pelo rito de sua celebração na ação litúrgica, vivido na mesma hora da morte redentora. Exemplares nesse olhar são as mulheres que desceram com o Mestre, da Galileia à Judeia, corajosas e coerentes nas lágrimas derramadas. Elas, apesar das violências ameaçadoras, testemunharam, sem medo, que eram discípulas de Jesus, pela disposição física e espiritual de acompanhá-lo onde quer que fosse. Ouvem de Cristo a recomendação para que não chorassem por Ele, mas pelos seus filhos - aqueles que, conforme profetizou Jesus, chegariam a praticar horrores. O coração de uma mãe dói quando vê a covardia e a fragilidade de um filho, como aquelas cometidas por Pedro, que não conseguiu responder à simples interrogação curiosa e despretensiosa a respeito de ser ele um dos discípulos do mestre.

A mesquinhez que nasce do medo leva Pedro a dizer que não conhece Jesus. Uma fragilidade humana que o leva a negociar a verdade, posicionando-se do lado da mentira, sem força para responder sinceramente àquela gente simples. Já os poderosos, reduzem o interesse de ver Jesus ao anseio por assistir a um milagre, conforme mostra a conduta de Herodes, de compreensão estreita, que acaba por tratar o Mestre com desdém e zombarias. Outro fraco e sem pulso, que negociou a verdade, é Pôncio Pilatos, cedendo à condenação de Cristo, conivente com a escolha cega e irracional de um homicida e salteador, Barrabás. Uma atitude que comprova os riscos dos preconceitos que alimentam o ódio, ameaçando a razoabilidade nas escolhas que poderiam levar à liberdade.

Inspiradora é a atitude do centurião romano, no exercício de seu ofício e do seu dever, tendo acompanhado, silenciosamente, as cenas da condenação e da crucificação, com um olhar que o leva, embora pagão, a captar a verdade de Cristo. Ele conclui que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus. Uma confissão experimentada como convicção, desenhando o caminho que pode curar as covardias, as discriminações, as indiferenças em relação aos sofrimentos alheios. Pode curar ainda a soberba que leva à manipulação da verdade em favor do exercício de poderes que escravizam, justificam privilégios oligárquicos e um estilo de vida que dizima os bens da Criação, impondo à parcela maior da humanidade um viver em regime de escravidão econômica, social, cultural e ambiental. Uma humanidade de gente que não sabe o que faz, convencida de verdades enjauladas na mesquinhez da ganância comprometendo a sacralidade da dignidade humana. Um verdadeiro e perverso deboche, distanciado da humildade consciente daquele malfeitor que repreende seu companheiro de suplício, os dois ao lado de Jesus, no Calvário.

O humilde malfeitor, na contramão das insolências contra Jesus, compreendeu que a Cruz de Cristo, no centro do Calvário, é altar de redenção. Pede ao verdadeiro sumo-sacerdote, vítima imolada por amor: “Lembra-te de mim quando estiveres no paraíso”. De dentro de seu suplício, brotou a lucidez amorosa da presença de Deus, para ouvir em sequência, a promessa do Redentor: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. E a prece do crucificado - “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” -  é o convite a cada ser humano a mergulhar na profundeza do amor de Deus para encontrar a fonte inesgotável de alegrias que duram, assimilar valores e posturas que sustentam qualificada envergadura moral, fazendo com que a conduta humana busque sempre promover a  solidariedade e a fraternidade universal.

O silêncio que emoldura a algazarra do mundo contemporâneo, com guerras de todo tipo, é o caminho oferecido pela Sexta-feira da Paixão, para fecundar o deserto da interioridade, encharcando a terra seca dos corações, e fazer florir jardins com a semeadura do amor. Ecoe na condição frágil de cada um a prece do Senhor: “Pai, perdoa-lhes”- oportunidade para se sensibilizar e se reconhecer destinatário da salvação conquistada por Cristo, com a sua paixão, morte e ressurreição. É a vida nova pela vitória sobre a morte para que ninguém pereça. Pela amorosa e contemplativa consideração das dores e sofrimentos da humanidade, os que verdadeiramente seguem Jesus tornam-se instrumento para construir um novo tempo, marcado pelos valores do Evangelho. O primeiro passo é reconhecer-se na lista dos que “não sabem o que fazem”, humildemente percebendo-se presente na súplica do crucificado - “Pai, perdoa-lhes”!

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte