O mundo contemporâneo vem sendo tecido e impulsionado por redes. Um fenômeno impactante, facilitado, particularmente, pelos avanços tecnológicos. A compreensão desse fenômeno exige estudos, adaptações e mudança de mentalidade, para que não se produzam atropelos e se saiba encontrar soluções e respostas adequadas. Uma novidade que revoluciona e imprime velocidade com força de avalanche no conjunto dos processos da vida contemporânea em qualquer parte do planeta. São muitas as possibilidades e incontáveis as exigências. Desafios que acabam por pesar nos ombros da humanidade, sinalizando fortemente a exigência de adequada administração. Uma gestão que não se esgota no viés técnico e não abre mão, sobretudo, do que se guarda no âmago do existencial de cada indivíduo e do conjunto da comunidade humana. São redes de todo naipe, compondo um mosaico com singulares complexidades, com desenhos censitários apontando relevantes desafios à mente e ao humanismo. Importante indicar a referência ao humanismo que está em pauta neste momento, aquele que requer novas configurações, enquanto integral, compreendido com força de modelação de rumos e tempos novos para a civilização contemporânea, palco de gritos e clamores que incomodam e precisam ser acolhidos como interpelação.
Menção oportuna também sobre a importância da rede de solidariedade transformando a solidariedade em rede, modo singular para se conseguir esperançar mudanças mais rápidas em se considerando cenários de miséria e exclusão, envergonhando sociedades e ferindo a intocável sacralidade da vida humana, em todas as suas etapas. A solidariedade em rede é um remédio indispensável para reavivar o sentido comprometido de fraternidade universal, a começar pelo efeito de desconcertar os indiferentes, empurrar e balizar entendimentos políticos com incidências transformadoras no esfarrapado tecido político, responsável por rumos inadequados na economia, com vítimas causadas pela crueldade do mercado e massacradas pela ganância alimentada pelo lucro e medo de não se ter, embora se possua em excesso.
A rede de solidariedade tem importantes interseções de influências com outros circuitos. Promover o engajamento nas redes de solidariedade é investir também em uma grande mudança cultural, despertando o conjunto da população para uma sensibilidade que conta muito, e decisivamente, no desenvolvimento integral. Tem relevância também na relação direta com a rede de solidariedade, a “rede de dizeres”. Todo indivíduo tem direito a se expressar, no uso de sua liberdade e de sua autonomia cidadã. Mas, a contemporaneidade, neste inquestionável processo de viragem civilizatória, está fortemente afetada por uma “Babel de dizeres” que, consequentemente, produz comprometimentos e contaminações - talvez mais que avanços significativos em entendimentos construtivos e corretivos, em se focalizando, especificamente, o nível comum do cotidiano das relações edificadas pela força determinante do que se fala a todo momento.
Certamente, além da normal influência do muito falar, particularmente do se expressar sobre tudo, mesmo quando não se entende suficientemente daquilo que se fala, ou não é, como se diz popularmente, da “sua conta”, as redes sociais facilitadoras têm impactos determinantes e avassaladores na configuração desta “Babel de discussões” com suas contaminações e comprometimentos no âmbito dos diálogos indispensáveis e do próprio direito da livre opinião. O fato é que está posto um desafio ao entendimento lúcido. Em curso está o exigente desafio de contribuir, digerir e suportar a rede de narrativas. A dificuldade e incompetência da falta desse traquejo estão pesando muito e requerem urgente atenção e tratamento sob pena de prejuízos irreversíveis e também a imposição de atrasos, frutos de escolhas inadequadas e tendenciosas. A “rede de dizeres”, em contínua aceleração, no leito das redes sociais, está expondo mentalidades estreitadas, acirrando sentimentos expressos pela impactante falta de sentido de limites, dificuldades cognoscitivas de confrontos em vista de juízos lúcidos e sóbrios, em se pensando a importância decisiva daquilo que se diz. Por isso, a veiculação volumosa e acelerada de inutilidades equivocadas torna-se preocupante. Constata-se um emaranhado que afeta cada indivíduo, até em razão do que diz ou não, e incide sobre o conjunto de uma sociedade, confundindo escolhas, atrasando processos. São muitos os aspectos do conjunto complexo da “rede de dizeres”, do mais sofisticado e significativo ao comum nas esferas populares.
Com o apoio de especialistas dos vários campos, com tarefa primordial nos ambientes e pelos meios educativos todos, torna-se urgente um investimento na competência, em todas as camadas, de se suportar as narrativas e de se desenvolver sua adequada produção. Há de se puxar fio por fio desta meada. Uma tarefa complexa e também artesanal com propriedades de resgates. Isso porque é visível a ocorrência de um adoecimento emocional e também uma perda do sentido de limites e dos balizamentos que assegurem o mínimo de racionalidade e equilíbrio. As facilidades das redes sociais a serviço da “rede de dizeres”, não pode ser espaço para narrativas que geram confusão e ativam o caos. É preciso lembrar que, muitas vezes, ao se precipitar no caos não se conseguirá sair dele, e ainda que se consiga sair, haverá um alto custo. Assim, é urgente investir, corrigir, compreender e contribuir, para que o estrago dos discursos ressentidos, polarizados e dissolutos não ganhem força, capitaneando pares que, até inconscientemente, se envolvem com narrativas, na maioria truncadas e amparadas em estatísticas inexatas.
Curioso é conferir como as visualizações em publicações equivocadas, revelando o grau de patologias disseminadas e alimentadas, conseguem volumosas audiências em comparação ao número pífio alcançado por narrativas edificantes. Que as “redes de dizeres” possam se tornar construtivamente narrativas que qualifiquem a viragem civilizatória do momento atual, ao invés de vetores para mais adoecimentos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Ilustração: Jornal Estado de Minas