Santuário Arquidiocesano

Ermida da Padroeira de Minas - Basílica da Piedade

08h

15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h
09h
15h

Basílica Estadual das Romarias

Domingo
09h30
11h
16h30

Artigo de dom walmor

Você está em:

Trevas passam, brilhe a luz

A celebração da Paixão e Morte de Jesus, o Redentor, na Sexta-feira Santa, emoldura as trevas que envolvem o mundo com um silêncio profundo, incômodo e restaurador, para fazer brilhar, definitivamente, a luz da vida plena, por Ele garantida do alto do madeiro. A cruz é instrumento de suplício dos condenados, transformado em altar, onde Cristo é a vítima, também o sacerdote que oferece e conquista a definitiva expiação. A grandeza deste mistério assenta-se sobre o amor de Deus pelos seus filhos e filhas, pela oferta do Filho Amado, fazendo brilhar a luz da vida para dissipar as trevas - que passam. Indispensável é acolher e encharcar-se do silêncio respeitoso deste dia, fecundando a compreensão essencial sobre a experiência de ressurreição que leva a humanidade a uma nova poesia com o poder de encantar o viver humano.  Uma qualificação espiritual e existencial indispensável, pois leva a grandes transformações no coração de cada pessoa, tornando-a instrumento do amor maior no mundo contemporâneo, ameaçado por muitas trevas.

Trevas que impõem significativas perdas, ameaçando um viver qualificado, conforme a vontade de Deus. O silêncio sepulcral da Sexta-feira da Paixão é o caminho de uma experiência que tem propriedades para fazer brilhar a luz da vida, promovendo um novo tempo ao ser humano, dissipando as trevas. O cenário inspira a compreensão insubstituível evocada pelo Salmista, quando recorda, no Salmo 21, a concepção de cada indivíduo, agasalhado no seio maternal, dado à luz como dom de Deus. Nasce, pois, a indicação da oração, experiência para mergulhar no mistério da paixão e morte do Senhor Jesus, alcançar o perdão dos pecados, vencer tentações, fazer cessar as perseguições, reconfortando os ânimos abatidos, alegrando os generosos, firmando os passos dos peregrinos. Oração é experiência tão forte e incomparável que a mística cristã não hesita em afirmar: a oração alcança o próprio Deus.

Nasce o compromisso de proclamar as benevolências de Deus para atrair, de seu amor, benevolências ainda maiores. O grande silêncio de hoje é um deserto para o coração que quer buscar a si mesmo, para fazer a redentora experiência de uma criatura solitária e pobre, dependendo unicamente de Deus, sem qualquer grande projeto que se interponha entre a criatura e o Criador. Muitos temem e se incomodam com o silêncio como experiência de deserto, alimentados pela ilusória convicção de que o barulho e o falatório garantem libertação do peso dos desesperos que afligem o dia a dia. Assim, os iludidos recorrem a soluções que comprometem a vida - a própria, a do outro, sobretudo dos pobres. O silêncio vivenciado é a experiência de uma sabedoria com força para esmagar o desespero, distanciando o risco de soluções comprometidas e estreitadas por sentimentos que inviabilizam gestos concretos de fraternidade universal. Essa luta é a solidão do coração humano com a garantia de ter Cristo ao lado, o Cristo que experimentou a solidão do Horto das Oliveiras e prosseguiu na obediência amorosa de Deus - Seu Pai.

A certeza de Cristo presente ao lado de cada pessoa ilumina a compreensão sobre o amoroso gesto de Jesus, que assumiu uma verdadeira e integral humanidade, em todos os sentidos. Humilhado, desprezado, aflito, entristecido, foi crucificado, suportando o sacrifício terrificante da morte na cruz para curar feridas de todo homem e mulher, vencendo a morte. O desafio humano do medo e do horror do sofrimento é iluminado pela experiência de Jesus, dirigindo-se a seu Pai, no ápice de sua experiência de abandono, quando, orando e envolto em um profundo silêncio, diz: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice”. E completou, elevando a condição da humanidade: “Contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua”. As palavras de Jesus, conforme diz São Leão Magno, instruíram todos os fiéis, inflamaram todos os confessores, coroaram todos os mártires, convocando todos para ouvi-las. Cabe, na experiência deste dia santo, chamar pelo nome Aquele que é a razão de um grande silêncio, para ouvir sua voz pronunciando o nome de cada um. Uma experiência possibilitada por uma vida silenciosa, mais distante do caos promovido por sons e falatórios.

Silenciar-se hoje, de modo especial, fecundando os outros dias, é encontrar o caminho de uma vida compreendida como oferta de si, cotidianamente. O silêncio dissipa as trevas e faz brilhar a luz, especialmente a luz de fazer da vida uma oferta, temperada pela sabedoria de estar sempre presente diante de Deus. É hora de vencer o medo do silêncio. Ao contrário, vale procurar o dom do silêncio, vencendo o medo da solidão, para experimentar o poder da oração, vivendo da presença amorosa e redentora de Deus, desdobrada em gestos de amizade social. Com força e confiança, cada coração, em íntima conexão com o coração de Jesus, volte o olhar para o alto da cruz e ore com sabedoria. O medo do silêncio seja vencido para que o coração humano encontre uma pérola: o viver qualificado, fazendo com que cada momento se torne uma nova vitória em que brilhe a luz de Cristo, alimentando a coragem de se aproximar Dele, ser iluminado por Ele.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte