O Papa Francisco dedica orientações preciosas aos cidadãos sobre a “Política Melhor”, no quinto capítulo de sua Carta Encíclica Fratelli Tutti. Trata-se de um balizamento ético-moral de caráter singular que contribui para a qualificação do exercício da política. Uma urgência, quando se considera a situação da política nacional e internacional. Por isso, o Santo Padre reforça ainda mais a sua orientação para qualificar a política, na recente Exortação Apostólica Laudate Deum – Louvai a Deus, dedicando-se a refletir sobre a gravidade da crise climática vivida no planeta, com incidências no contexto sociopolítico. No terceiro capítulo, com lucidez profética, o Papa Francisco aponta para a fragilidade da política internacional, com ênfase nos graves problemas ambientais que conduzem a humanidade para uma realidade sombria – as consequências são ainda mais graves para os mais pobres e indefesos da Terra.
Ao dedicar-se à fragilidade da política internacional, o Papa Francisco também projeta luzes sobre as sombras de um mundo em guerra – “Terceira Guerra Mundial aos pedaços”, segundo palavras do Santo Padre. Neste horizonte, não se pode deixar de considerar: o exercício da política para construir a paz não tem encontrado êxito, de modo semelhante às tratativas para solucionar os desafios ambientais. Prevalecem as guerras em todo o planeta. Conflitos com maior ou menor intensidade, desencadeados no interior de famílias, envolvendo facções, inimizades motivadas pela disputa política, ideológica. Existem, assim, guerras bélicas e silenciosas que também contribuem para promover a morte. No caminho para solucionar esses conflitos, deve ser considerada a conduta humana de tudo justificar para fazer valer interesses particulares, mesmo que isso represente agir na contramão daquilo que é, minimamente, humanitário. Essa conduta leva à justificação de horrores para se alcançar o lucro ou se obter certos “direitos”, ainda que essas metas levem ao sacrifício de outras pessoas, especialmente aquelas mais empobrecidas.
O desafio para se construir a paz no planeta é ainda mais complexo quando se considera que propósitos assumidos em conferências e parlamentos não são efetivados. Realidade que revela a estatura apequenada de muitas pessoas que apresentam discursos articulados, inteligentes, mas são incapazes de ajudar a humanidade a avançar para uma nova etapa, de mais civilidade. Na verdade, esses discursos acabam por se tornar repetitivos e estéreis. Não levam às respostas que precisam ser alcançadas, com urgência, para minimizar o sofrimento dos pobres, dos famintos, dos doentes e solucionar a crise climática que se agrava com o passar do tempo. Ainda pior, existem opiniões pouco racionais que contribuem para esconder a grave realidade vivida no mundo contemporâneo. Diante dessas opiniões pouco racionais, que circulam até mesmo em segmentos da Igreja Católica, o Papa Francisco diz que se vê obrigado a fazer especificações que podem parecer óbvias. Nesse sentido, afirma que é muito necessário cultivar uma visão mais abrangente, capaz de admirar as maravilhas do progresso e, ao mesmo tempo, considerar a herança que o ser humano deixará para as futuras gerações. A história, afirma o Papa, tem dado sinais de regressão.
Sublinha o Santo Padre que são necessários acordos multilaterais entre Estados para que se possa alcançar, mais eficazmente, um progresso sólido e duradouro. Constata-se uma carência de organizações com autoridade para garantir, conjuntamente, o bem comum, promovendo a erradicação da fome e da miséria, a defesa dos direitos humanos fundamentais. Não se trata de uma autoridade centralizadora, mas capaz de promover e de respeitar o multilateralismo, independentemente de contextos políticos instáveis, manipulados por interesses tacanhos, contaminados por uma insanidade cega diante de normas internacionais e humanitárias.
É preciso superar o recrudescimento de autoritarismos políticos que impõem circunstâncias inaceitáveis aos próprios concidadãos. Fazer um “redesenho” da política internacional para que efetivamente sejam fortalecidas iniciativas dedicadas a contribuir com a promoção do bem comum. Sem avançar nesse propósito, o mundo continuará a amargar prejuízos humanitários irreversíveis. O primeiro passo para avançar na promoção do bem comum, acentua o Papa Francisco, é reconhecer o primado do ser humano, do compromisso com a dignidade humana, independentemente de circunstâncias ou argumentações. Abre-se, assim, um vasto campo para construir entendimentos, desencadeando ações qualificadas, capazes de corrigir personalismos, superar maldades. Seja, pois, observada a preciosa indicação de Santa Maria Eufrásia Pelletier, fundadora da Congregação das Irmãs do Bom Pastor, que, há duzentos anos, disse: “Uma pessoa vale mais que o mundo”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte